UCRA

Designação do projeto: UCRA – USO DE CALHAU ROLADO NOS AÇORES, Caracterização, diagnóstico e plano de gestão

Duração: 13 meses 

Enquadramento: As zonas costeiras acomodam 13 meses áreas de transição entre o domínio terrestre e o marítimo. A variabilidade de condições ambientais (muitas vezes extremas) a que estão sujeitas, aliada à acelerada evolução morfológica que as caracteriza, em função da permanente exposição a uma diversidade de agentes naturais, tornam-nas ambientes singulares, de uma vulnerabilidade considerável e carecendo de medidas de gestão específicas. Tais particularidades conferem-lhes o estatuto de sistemas complexos e dinâmicos com uma função ecológica de extrema importância – a de ligação entre os ecossistemas terrestre e marinhos. A intensificação do crescimento populacional nas zonas litorais e a expansão económica, com consequente concentração de atividades antrópicas (indústria e turismo/lazer), têm sucessivamente criado conflitos de interesse de uso e ocupação e entre estes e os processos naturais dos sistemas costeiros, ameaçando desta forma o equilíbrio dinâmico delicado destes últimos e contribuindo de forma preocupante para a degradação da sua biodiversidade.

No Arquipélago dos Açores a presença de um território limitado, a par do contraste fisiográfico entre a franja litoral das ilhas e as suas áreas interiores, tem condicionado a fixação humana desde o povoamento das ilhas, no 2º quartel do séc. XV, e, mais recentemente, as decisões governativas de ordenamento e o planeamento territorial. Sendo o litoral uma presença constante no quotidiano açoriano, a população tem, ao longo dos tempos, usufruído sistematicamente da vastidão de recursos nele disponíveis. A necessidade de gerir os usos e as atividades desenvolvidas nas zonas costeiras motivou o aparecimento de sucessivos instrumentos legais, estratégias e planos de ação, que frequentemente se desarticulam com as necessidades e limitações da população.

Este projeto visa abordar a problemática da atividade de recolha regular (e nem sempre respeitando as condicionantes naturais e legais) de balastros de praia na Região Autónoma dos Açores (RAA), localmente designados pelos regionalismos “calhau rolado”, “pedra lisa” ou “rolo”, em locais acessíveis da faixa litoral, onde ocorre a acumulação natural destes depósitos sedimentares. A recolha destes sedimentos é essencialmente motivada pela sua utilidade na pesca comercial como poita/lastro em artes de pesca demersal tradicional (palangre e linhas de mão), além de pontualmente se destinar a fins ornamentais ou artísticos, como a aplicação em muros e jardins. A falta de alternativa (equivalente material com características físicas similares e que sirvam o propósito) ao uso daquele sedimento tem justificado a persistência da sua procura, particularmente pela comunidade piscatória.

A depauperação sedimentar com origem antrópica comummente resulta em alterações irreversíveis da morfologia da faixa costeira e na modificação de balanços sedimentares (e.g. Borges, 2003; 2009) que tendem a favorecer os processos de erosão costeira, com consequente contributo para o recuo da linha de costa. Casos históricos de depauperação sedimentar antrópica em praias no arquipélago dos Açores mostram-nos como esta atividade é suscetível de causar rutura na capacidade de recuperação sedimentar do sistema, com repercussões ao nível do estreitamento da berma de praia (redução da extensão transversal da praia) e consequente intensificação do processo de recuo da arriba litoral adjacente (Borges et al., 2002; Borges, 2003; Borges et al., 2009). Verifica-se assim a necessidade de avaliar os impactos efetivos da atividade de extração de sedimentos grosseiros na faixa litoral das ilhas dos Açores, com vista à avaliação da pertinência de uma adaptação da regulamentação jurídica existente à realidade e às necessidades da população açoriana, nomeadamente a que se encontra afeta à atividade piscatória, e à busca de alternativas materiais ao recurso geológico procurado, que se coadunem com o uso em questão.

Objetivos gerais: 

Com o presente projeto pretende-se contribuir com conhecimento de natureza técnico-científica que auxilie o processo de tomada de decisão em políticas públicas de gestão integrada e sustentável da erosão costeira, em consonância com a defesa dos recursos ambientais costeiros e ressalvando os interesses da população utilizadora. Neste âmbito, foi previamente definido como objetivo geral do projeto UCRA – Uso de calhau rolado nos Açores – a disponibilização de informação de apoio à tomada de decisões em questões referentes a:

(1) gestão sustentável das áreas de ocorrência de sedimentos muito grosseiros (vulgo cascalheiras de praia) na zona costeira da RAA, implementada e regulada pelas autoridades competentes, e a ser considerada num modelo territorial e regulamentar adaptado às especificidades da região;

(2) reordenamento global do espaço de interface terra/mar através da avaliação e revisão dos instrumentos de gestão territorial de natureza especial em vigor (e.g. Planos de Ordenamento da Orla Costeira – POOC), para aferir da sua eficiência e eficácia e decidir sobre a necessidade de proceder à sua alteração, nomeadamente em matérias relacionadas com a regulamentação da extração de materiais geológicos;

(3) implementação de medidas de mitigação dos eventuais efeitos adversos da extração excessiva de balastros de praia das zonas costeiras da RAA, em consonância com os novos paradigmas de gestão dos recursos hídricos à escala europeia, como disposto na Diretiva Quadro da Água, e contemplados no Plano de Gestão da Região Hidrográfica dos Açores (PGRHA) e nos Planos de Gestão de Recursos Hídricos de Ilha (PGRHI);

(4) gestão de riscos naturais na zona costeira da RAA, nomeadamente relacionados com o aumento do risco de inundação nas zonas costeiras por invasões marinhas extremas, a ser imperativamente considerado no Plano de gestão de Riscos de Inundações da RAA – PGRIA, como previsto na Diretiva Inundações – Quadro normativo para a avaliação e gestão dos riscos de inundações no espaço da União Europeia (UE);

(5) aplicação do Plano Regional para as Alterações Climáticas – PRAC, em concordância com Estratégia Regional para as Alterações Climáticas, designadamente na materialização de estratégias que visem conciliar a vivência na RAA com as alterações climáticas, face à intrínseca vulnerabilidade das ilhas àquele fenómeno;

(6) criação de estruturas legislativas que definam o licenciamento e a fiscalização da atividade extrativa de balastros de praia na zona costeira da RAA.

 

Objetivos específicos:

(1) Obter uma caracterização pormenorizada do uso e da atividade de extração do recurso mineral balastro de praia:

  1. a) quantidade média estimada de “calhau rolado” extraída anualmente para efeitos de utilização na atividade piscatória, por ilha;
  2. b) quantidade média estimada de “calhau rolado” extraída anualmente, por arte de pesca – palangre e linha de mão –, por ilha;
  3. c) localização dos locais preferenciais de extração por parte das comunidades piscatórias;
  4. d) regularidade da atividade extrativa;
  5. e) perdas de “calhau rolado” por arte de pesca, por ano, por ilha;
  6. f) custos financeiros da atividade de extração;
  7. g) perfil (características morfométricas, dimensionais e litológicas) do “calhau rolado-padrão” extraído para efeitos de utilização na atividade piscatória.

(2) Obter uma caracterização pormenorizada do recurso mineral especificamente procurado, doravante designado balastro-padrão, naturalmente disponível nos depósitos sedimentares litorais muito grosseiros (cascalheiras):

  1. a) características litológicas, morfométricas e dimensionais;
  2. b) processos/parâmetros naturais que controlam a sua ocorrência;
  3. c) dispersão geográfica enquadrada nos locais alvo de estudo;
  4. d) volumetria do recurso mineral não metálico “calhau rolado” existente nos locais alvo de estudo.

(3) Diagnosticar os impactos da extração nos locais depauperados:

  1. a) evolução morfodinâmica anual (potenciais desequilíbrios);
  2. b) estimativa de magnitudes de recuo de linha de costa;
  3. c) proposta de metodologia de monitorização.

Prevêem-se ainda algumas considerações sobre soluções de gestão do recurso mineral em estudo, as quais contemplarão, nomeadamente, sugestões de alteração sobre o quadro legal que regulamente a sua atividade de extração.